Eis o milagre imperdoável dos nossos dias: darmos aos políticos um palanque de esperança e vermos, depois, o céu que nos prometem afundado na perfídia movediça e desmesurada dos próprios egos. Confundem serviço com servir-se. Baralham de tal forma a realidade, trocam-nos de tal modo as voltas às convicções, que até o nosso desespero lhes serve de pretexto para se legitimarem na presunção ambiciosa da eternidade.
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Milagres públicos
17/09/2013Patriotismo de lapela
07/11/2012Fixada na lapela dos paletós dos homens de Estado, num brilho baço, a bandeira nacional já nem portuguesa é. É impossível olhá-la sem levantar muros à volta da esperança. A mim, que sempre a concebi desfraldada nos mais altos mastros de uma identidade com oitocentos anos de história, cada alfinete ardilosamente cravado nos casacos destes fingidos patriotas, dói-me como um espinho espetado no coração de um boneco de vodu com os recortes do mapa de Portugal no perfil.
Continuação
07/10/2012Continua o entremez político nas salas públicas locais. Infelizmente, é ao nível das soleiras dos currais que a grande farsa se desenrola. Atentam contra a dignidade da inteligência, professam o nome sagrado do povo em vão, entregam, à noite, com um beijo traiçoeiro, aqueles a quem juraram servir de manhã, mentem, airosa e desassombradamente, pulando todos os muros à volta da decência. Um sal insípido de convicções arbitrárias que perverte a terra mais salobra traficado a qualquer preço, comprado sem regateio pelos venais fregueses das redes sociais.
As escalas da política
28/09/2012A política argamassada nas ruínas coletivas locais. Os mesmos truques da escola nacional de ilusionismo narcísico, os mesmos números acrobáticos decalcados aos de São Bento, reproduzidos nas lonas e nos trapézios domésticos. Aqui, como lá, a confraria pública parece uma pirotecnia lúdica prontinha a mandar tudo pelos ares. Salvo digníssimas excepções – e honra lhes seja – cada fogueteiro manuseia a palavra como se fosse pólvora. Escolhem as canas da tartufice a preceito, metem rastilho encerado em ironias fátuas, escorvam delicadamente a pólvora nos invólucros do cinismo, empapuçam as cabeças do foguete com as mais variadas cores retóricas, e, depois, quando a girândola das demagogias larga os foguetes de lágrimas, ficam deslumbrados, de olhos fixos na explosão a incendiar os céus mediáticos, esquecidos de que o arco-íris da incandescência se mantém no ar apenas durante o tempo que eles se demoram na solene investidura de mordomos da festa.
O préstimo cívico da poesia
05/09/2012Nunca ouviu falar de Gide, de Rilke, de Goethe, de Eliot, de Poe, de Whitman, de Pound ou de Szymborska. Conhece apenas excertos dos sonetos de Camões citados a martelo e umas estrofes obscenas de Bocage que apanhou de ouvido. Em Pessoa, fica-se por aqueles dois versos do Mar Português que, paradoxalmente, lhe apoucam as veras da alma. É político. Não gosta de poesia. Se gostasse, não tinha tão maus fígados, tão má ortografia e tão maus sofismas na retórica.