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Frigorífico com rodas

28/04/2009

Há dias, findo o trabalho, aproveitei a boleia de um amigo até casa. Chovia e não me apetecia andar a pé, pelo que aquela caridade me caiu como sopa no mel (se bem que, sopa com mel, deve dar uma azia do caraças). Com manobras de perícia pelas tortuosas ruas da parte velha da vila e poças a espirrar àgua para cima dos passeios à passagem da viatura, seguiamos a uma velocidade de bois.

Deu tempo para falar do tempo e do Benfica. Amaldiçoei a incúria de não ter levado carro para o trabalho num dia daqueles, para depois me justificar porque raramente o faço. Em Monchique as distâncias são curtas, pelo que faz bem às algibeiras, à saúde e à alma deslocar-me a pé para o trabalho. Para não falar da escassez de estacionamento e do azar que é chegar ao carro e ver uma assinatura em caligrafia árabe, feita a arame, chave philips ou mesmo de sextavada, cravada na fuselagem do bumblebee.

Rosnei que da próxima vez que investisse num automóvel, compraria um «frigorífico com rodas», que isto dos carros brancos é um mimo, não se nota nada na pintura. E, durante este tempo, cruzámo-nos com alguns carros brancos, aos quais aludi zombando, com pulos e urros descoordenados, pelo facto de se tratarem de «frigoríficos com rodas».

O meu amigalhaço, reagia impávido aos meus sucessivos tiques dementes, coisa que estranhei visto ser, normalmente, um tipo bem disposto. Creio que lhe vi até alguma sofreguidão no rosto, de cada vez que repetia: «olha um frigorifico com rodas…ahahahahahah…sabes o que é aquilo? É um frigorifico com rodas é o que é!»

Foi quando fechava a porta da viatura, depois de ser deixado perto de casa, que me apercebi da cor do automóvel que me havia transportado. Fiquei branco, da cor do leite, da cor do cavalo branco de Napoleão…

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Uma questão de modas

24/04/2009

Como outra coisa qualquer, que se usa para depois deitar fora, comprar automóvel é tão só uma questão relacionada com modas. Ou será que são os automóveis que escolhem o seu próprio dono, de acordo com o momento e os modos de vida padrão vigentes, como se de mais uma moda se tratasse?

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Assim se escreve em bom português.

Fotografia tirada em Olhão, moda sim, moda não…

 

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De Espanha, nem bom vento, nem bom tempo, nem bons festivais

20/04/2009

Entre uma chuva espessa e incessante, e um mar de lama e poças de água “café com leite”, lá se cumpriu a promessa de assisitir ao tão ansiado concerto dos californianos Bad Religion.

O dia até nem começou mal. Arrancámos até Faro, eu e o Rui Gordo, onde nos esperava o Lince. Chegámos cedo de mais e tivemos de nos entreter a brincar com as cabras da bitch parade da capital algarvia, enquanto o professor do Wall Street Institute despachava a última aula do dia. O Luisinho já estava em Mérida desde Sexta-Feira e por lá nos encontrariamos com ele.

Trouxa arrumada, fome enganada por uma rápida refeição de polímeros no Fórum Algarve e Mérida aqui vão eles… Mal as rodas do bumblebee rolaram sobre território espanhol, fomos contagiados pela habitual maledicência portuguesa: “pela qualidade do alcatrão dá logo para ver que neste país se investe com qualidade”, disse um, “isto aqui é que é, tudo plantadinho, nada ao abandono”, acrescentou outro, “aqui trabalha-se!”, fechou um terceiro o rol de comentários, simultaneamente de desdém à pátria lusitana e de fascínio para com aquela realidade estrangeira que se nos deparava;

À medida que penetravamos naquela terra, e já depois do bumblebee e das carteiras experimentarem o sabor do gasóleo a preços mais baixos, tudo era perfeito. Nem a cara cerrada e macambúzia da empregada de caixa da área de serviço de Trigueros quando automatizou um seco  “buen viaje”, beliscou a ilusão entretanto gerada. Afinal, tinha sido o país daquela senhora de bochechas pendidas a dar-nos a oportunidade de ver finalmente ao vivo uma banda pela qual tinhamos esperado, durante incontável tempo, ver um dia no nosso.

Um céu de nuvens aborregadas deixava-nos na dúvida quanto às condições atmosféricas que iriamos encontrar em Mérida. Os sites consultados nos dias anteriores ditavam previsões pouco animadoras: aguaceiros que se levantariam noite dentro, até que o céu ficasse entregue unicamente às constelações de estrelas.

Pior foi depois da travessia do Túnel de La Media Fanega. ” – Lince, sabes que se atravessares o túnel da Gardunha a pé morres asfixiado quando estiveres mais ou menos a meio?!”, disse o Rui. ” – Oh Gordo…” roncou o Lince. E ao fundo do túnel, contrastando com a luz do seu início, um escuro chuvoso que se abria para a Serra d’Ossa Morena. Extintos os ténues raios de Sol, seguimos pela autoestrada ao ritmo dos acordes do cd “The New Maps of hell”, acompanhados pelo vaivém dos limpa para brisas.

Seguiamos rumo a Norte, descobrindo afinidades entre a Extremadura espanhola e o Alentejo. “- E não se bebe aí um cafézinho?”, perguntei, sentindo a espinha e as pernas dormentes de mais de duas horas seguidas de condução. “- Eu já mijava”… “-E eu também”, concordaram eles com a ideia de pararmos.

Estupefactos pela ausência de áreas de serviço perto da autovia Ruta del Plata, com as bexigas opadas e os pulmões dos camaradas a pedirem carvão, decidimos sair da auto-estrada em direcção a VillaFranca de Los Barros, uma localidade a pouco mais de 40 Km de Mérida.

Depois de percorrermos uns 2 Km sem vivalma, encontrámos, no meio do nada, um desses cafés de beira de estrada, que mais parecia saído de um filme do Tarantino. Lá dentro, duas slot-machine arrumadas à porta, um homem de barriga inchada, de olhos e mãos fixados nas maquinetas. Ao balcão mais 4 ou 5 clientes falando ao mesmo tempo orquestravam uma musicalidade desafinada ao espaço. O chão, coberto de cascas de amendoím e cabeças de camarão, há muito que não conhecia as caricias alternadas da pá e da vassoura. Fizemos o que tinha que ser feito para aliviar as aflições fisiológicas e pedimos 3 cafés ao balcão. O tipo que nos atendeu, falando estranhamente para dentro, como se aspirasse as palavras, mandou-nos seguir em frente, atravessar “el pueblo” e virar à esquerda na próxima rotunda de maneira a recuperar o caminho a Mérida, pela auto-estrada.

Entrámos em Mérida já a luz natural do dia seguia envergonhada, continuava a chover. Duas ou três voltas pela cidade e o local do ExtreMusika 2009 continuava incógnito. “-Temos de perguntar a alguém onde é que isto é”, disse já com pouca paciência para mais carrosséis pela cidade. “-Pergunta aí a um espanhol, Lince”, continuou o Rui, aproveitando-se do domínio do castelhano por parte do nosso camarada.

No regresso ao bumblebee, já com a rota definida pela a ajuda do espanhol de óculos cravados na cara vermelha e sacos do Carrefour nas mãos, senti o pé esquerdo deslizar sobre o passeio, como se de repente, o chão tivesse criado lisga. Bem pior!!! Era merda… Ao aperceber-me exclamei: “Tá bonito e leva jeito, vim a Mérida pisar merda…” “-É sinal de sorte, Edu…” gracejou o Rui…

Com os pés limpos pelas daninhas, fomos então ao nosso destino. Estacionámos e percorremos a pé um longo trajecto até ao recinto. Nas bilheteiras, em frente a um amontoado de tendas que flutuava na lama, encontrámos 2 contentores gigantes convertidos em bilheteiras. Dinheiro na mão, pulso esticado e são-nos cravadas as pulseiras azul bebé, com um doce cheiro que, não destoando da cor, também lembrava bebés. Lembrei-me do António e das expectativas que tinha em conseguir do concerto dos Bad Religion qualquer coisa que valesse a pena um dia contar-lhe.

Com os estômagos a dar horas, avançámos uns metros, guiados pelo cheiro gorduroso a carne rançosa assada. Parámos em frente a uma tabanca enfeitada de réstias de alhos e cebolas penduradas nos cantos, onde um espanhol de sorriso seboso e óculos de fundo de garrafão nos convidava a aproximar dos seus produtos. Comprámos chouriços assados numa chapa encardida dum negro opaco, onde o espesso fumo da confecção se misturava com o vapor causado pela queda das gotas da impertinente e omnipresente chuva. “-Aqui não há ASAE”…balbuciou um de nós, com a boca cheia. 

Largados pelo sorriso seboso do espanhol voltámos ao carro, para novamente voltar ao recinto. “-Se ao menos encontrassemos o Luisinho…” suspirou o Rui, depois de durante a viagem termos constatado que sem serviço de roaming activado, encontrar um português chamado Luisinho no ExtreMusika 2009 era bem mais difícil que encontrar uma agulha espanhola num palheiro de Mérida. À medida que nos encaminhavamos para o palco, o lamaçal era cada vez maior, a chuva cada vez mais impertinente, a iluminação quase inexistente e as expectativas geradas em Portugal cada vez mais enfadonhas.

O concerto de Misfits foi mau, os asturianos WarCry uma vergonha… entretanto já se tinha dado a aparição do Luisinho junto de nós, confiante de que, pouco tempo antes do concerto mais aguardado, estariamos perto do palco a marcar posição.

Foi com uma enorme salva de chuva, poças cada vez mais extensas e lama pelos joelhos que a 21st century digital boy inundou a uma plateia ávida de qualquer coisa que derretesse a gélida desilusão que estava a ser aquele festival.

Máquinas fotográficas em riste, vozes a desafinar em coro, pés a chapinhar no chiqueiro e o momento musical do ano tomava lugar ali, completamente fora daquilo que todos nós tinhamos sequer equacionado como o pior contexto possível no espaço e no tempo.

No final, todos, incluindo Greg Graffin, eram unânimes de que tinha valido a pena passar o cabo das Tormentas para nos deliciarmos com um momento de que poucos fãs da banda sitiados em Portugal se podiam orgulhar.

Terminado o concerto, já sucumbidos aos pés gelados e a mais 3 Kg de roupa encharcada, incapacitados de acampar naquele dilúvio fomos, eu e o Lince, pelo mesmo caminho escuro, atascando pé ante pé junto às barracas de comes e bebes onde os motores das arcas lambiam as poças de água e punks  bêbados jaziam sepultados por copos de cerveja e vinho… O Rui e o Luisinho iriam ter connosco daí a pouco tempo.

Foi já dentro do bumblebee, com roupa seca, embora os pés igualmente gelados, que eu e o Lince considerámos ser mais sensato zarpar de imediato, rumo a Portugal . Eram 1h:00 da manhã, hora portuguesa, às 5h:00 estariamos num aconchego muito melhor em Faro. Mal o Rui chegasse, partiriamos de regresso.

Entretanto o carro do Luisinho atolara no barro e o Rui só voltava daí a uma hora. Fartos de Espanha e da chuva, com o ego empanzinado pelo magnífico concerto, tornavamos a Portugal ao som da Enola Gay dos OMD, repetida duas vezes na Rádio Extremadura e numa outra estação rasca espanhola.

Num “zapping” radiofónico, conseguimos sintonizar a Renascença, e, por momentos, soube-nos bem ouvir falar alguém despido da pronúncia de pipocas quentes a queimar a língua. Sem par de ténis suplente, o lince conduzia descalço, praguejámos a péssima organização do festival, o café espanhol e as condições meteorológicas adversas. Afinal Portugal não era assim tão mau, os nossos festivais eram “bem mais à maneira” e os nossos enchidos muito mais dignos de uma digestão como mandam as regras.

Pelo caminho, para vencer o sono, decidimos contar todas as casas de alterne existentes à beira da estrada. Não contámos sequer uma…