Apareceu-me de rompante, insofrida, cheia de reverências, salamaleques e o credo na boca. O trabalho roubou-lhe anos de juventude, mas continua emoldurada na cara açucarada e bolacheira que anos de convivência circunstante me gravaram na memória. E recebi-a com a intimidade escancarada de quem foi gerado e criado no açude barrento do mesmo líquido amniótico.
– O senhor conhece-me?
– Está claro que te conheço. Andámos juntos na escola.
E lá fiz um esforço para que se visse a pisar a sombra rasa do meu corpo na mesma charneca em que eu calcava a dela quando voltou a insistir nas mesuras:
– Ao cabo ao cabo, somos folhas do mesmo mato difícil, escasso e rasteiro, mulher! Deixa-te lá dessas cortesias. Já não se usam…
– Sim, mas você estudou e isso dá-lhe outro estatuto, superior ao meu. Eu fiquei prendada para os pesos da vassoura e da esfregona.
– Não devias espreitar o mundo pela largueza afunilada de nenhum canudo. Se soubesses como me pesa a caneta de cada vez que tenho que anotar as arrobas encarniçadas das minhas misérias, não querias saber disso para nada.
Despediu-se quase em silêncio, como quem olha a um mal-agradecido, e desceu novamente ao vale de lágrimas da vida.