Posts Tagged ‘chuva’

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Música da chuva

21/12/2012

Embora carregado de dilúvios impertinentes e borrascas agoirentas como eu ando, durante a madrugada passada é que eu arrolei no meu íntimo os fonemas ostensivos e líricos da chuva. À noite, recolhidos nas vidraças da imaginação, enquanto ouvem o tamborilar das bátegas, os sentidos são convocados a novas rimas, novos versos e a novas melodias idiossincráticas. E logo a consciência reage. Logo a lucidez se põe às apalpadelas na tentativa desaustinada de clarificar as penumbras interiores. E são já os pensamentos que dançam. Parece que se apanha a música encantatória da eternidade de ouvido e a reproduzimos serenamente nos silêncios entre os aguaceiros. Mas só até ao instante em que, algures na vizinhança, um qualquer galo – esse indefectível profeta do tempo – nos acorda novamente para a precariedade transitória da vida.

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Desilusão

26/09/2012

Queria, agora, ao abrir a porta,

Que não me entrasse em casa um inverno.

Raios de um sol escrito a letra-morta

Apagados na chuva do caderno.

 

Queria ver a escorrer na rua,

Lavado no barro dum ribeiro,

O sorriso atrás do nevoeiro

Que ontem vi na Lua.

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Boletim

09/09/2012

Calor, céu limpo e Sol no boletim
E neste lugar o frenesim
Depois do ócio.
Há palavras de equinócio
Vestindo cores nos arvoredos.
Versos batidos a chuva, frio e vento,
Assobiando nos penedos
As dores do fingimento.

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Dança da chuva

15/08/2012

Queria hoje ver

Escorrer

Nas vidraças da paisagem

Uma outra imagem:

Tufos de ervas grossas

Como medas de cabelo

Cobertas por poças

De água e pingos de sincelo.

Riscos de chuva saltando dos beirais

Caindo em suicídios verticais

Por entre o pasto.

Traços espectrais

Sem deixar rasto,

Feridas ou sinais

No campo vasto

E triste deste dia.

Bátegas pesadas

Batidas a rajadas

Em cargas de cavalaria.

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Choveu

02/03/2012

Ao romper da manhã, as nuvens, plúmbeas e carregadas de cansaço, como uma joldra de trabalhadores do campo a esvaziar os casebres tristes nos sopés das colinas, subiram pesadamente a Serra e venceram a aridez desesperada dos telhados. Só a couraça de pó espesso nas estradas e nas safras permaneceu recolhida na súplica miserável de quem olha um desconhecido que passa sem deixar esmola. Ontem, depois de dias contínuos de vida parada, choveu outra vez.

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Hoje chove

09/06/2010

E alguém me roubou o chapéu.

Ao Chico-Esperto que me obrigou a fazer esta lôbrega figura, umas quantas palavras de aturadas tréguas: «O chapéu-de-chuva era novinho em folha, mas, se tiveres a destreza de o enfiar no recto e conseguires a proeza de o abrir no intestino grosso, é todo teu, todinho! No hard feelings

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«Tá de chuva»

01/10/2009
Fotografia: Bar DC, Lagos.

Fotografia: Bar DC, Lagos.

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O fogo de São Telmo

02/06/2009

Imaginem-se no interior do Airbus 330 da Air France desaparecido algures no Atlântico, durante a madrugada de Domingo, no meio disto:

Ou, para aqueles que têm medo de andar de avião, imaginem-se cercados por uma tempestade tremenda como esta, ocorrida em Seatle, EUA.

Agora percebo o porquê da minha avó insistir na devoção a Santa Bárbara e fazer questão em ter sempre em casa as folhas de palma, que recolhia na procissão de Domingo de Ramos, para queimar em dias de trovoada. Dizia que amainava a violência das tempestades. Sem nunca ter comprovado a eficácia do ritual, admito que estes fenómenos atmosféricos são realmente assustadores!

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Meteorologia Doméstica

09/05/2009

Depois dos sapos, o pássaro “cavalinho da chuva”, o amolador de tesouras e as dores reumáticas. Todos eles, segundo a minha mãe, prenúncios de tempo chuvoso.

Na Quinta-Feira tive o prazer de ouvir o musicado piar do pássaro, ontem a minha mãe lastimou o reumático que a apoquenta, e hoje, ao saír de casa, encontrei o amola tesouras rua de São Roque acima, empurrando a bicicleta com um passo pachorrento, ritmado pela melodia desafinada a brotar da gaita. Neste momento já a terra foi polvilhada por uma chuva tímida.

Estive eu 4 anos a calcular pontos de orvalho, valores de humidade relativa, gradientes pseudo-adiabáticos, a interpretar cartas sinópticas, a desenhar termo-pluviométricos, entre outras ferramentas de análise e previsão meteorológica, quando a minha mãe, por muito menos, consegue antecipar-se às previsões do estado de tempo.

Já vale a pena…

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Frigorífico com rodas

28/04/2009

Há dias, findo o trabalho, aproveitei a boleia de um amigo até casa. Chovia e não me apetecia andar a pé, pelo que aquela caridade me caiu como sopa no mel (se bem que, sopa com mel, deve dar uma azia do caraças). Com manobras de perícia pelas tortuosas ruas da parte velha da vila e poças a espirrar àgua para cima dos passeios à passagem da viatura, seguiamos a uma velocidade de bois.

Deu tempo para falar do tempo e do Benfica. Amaldiçoei a incúria de não ter levado carro para o trabalho num dia daqueles, para depois me justificar porque raramente o faço. Em Monchique as distâncias são curtas, pelo que faz bem às algibeiras, à saúde e à alma deslocar-me a pé para o trabalho. Para não falar da escassez de estacionamento e do azar que é chegar ao carro e ver uma assinatura em caligrafia árabe, feita a arame, chave philips ou mesmo de sextavada, cravada na fuselagem do bumblebee.

Rosnei que da próxima vez que investisse num automóvel, compraria um «frigorífico com rodas», que isto dos carros brancos é um mimo, não se nota nada na pintura. E, durante este tempo, cruzámo-nos com alguns carros brancos, aos quais aludi zombando, com pulos e urros descoordenados, pelo facto de se tratarem de «frigoríficos com rodas».

O meu amigalhaço, reagia impávido aos meus sucessivos tiques dementes, coisa que estranhei visto ser, normalmente, um tipo bem disposto. Creio que lhe vi até alguma sofreguidão no rosto, de cada vez que repetia: «olha um frigorifico com rodas…ahahahahahah…sabes o que é aquilo? É um frigorifico com rodas é o que é!»

Foi quando fechava a porta da viatura, depois de ser deixado perto de casa, que me apercebi da cor do automóvel que me havia transportado. Fiquei branco, da cor do leite, da cor do cavalo branco de Napoleão…