Posts Tagged ‘Cuba’

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Até já

05/06/2013
Aeroporto José Martí, Havana, 28 de Maio de 2013
 
Nada digo,
Embora me custe a despedida.
Embora saiba que este povo
Merece um sonho novo
E a esperança de outra vida,
São versos que deixo à partida. 
Não choro,
Embora seja forte essa vontade.
Não é num adeus que o mundo pára,
Como não caiu a luta pela Liberdade
Por cair Cristo ou Che Guevara.
Não fico,
Porque não tenho onde ficar.
Um poeta é um nómada da aventura,
Perde-se quanto mais se procura,
Encontra-se quando se acha fora do lugar.
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Santa Clara, Cuba, 25 de Maio de 2013

05/06/2013

Perplexo e a perder o ânimo. Vinha confiado na ilusão de encontrar por estas paragens um cisma peremptório da universalidade portuguesa, mas vou ter de regressar abastardado ao ninho e com a zanguizarra lusíada metida no saco. No Reino Unido, sou paquistanês, na França, magrebino, em Itália, italiano… Aqui, todos me julgam argentino. A nossa glória passada é cada vez mais uma clareira de silêncio fora da forja marítima dos portões da pátria. Hoje, para um Português se sentir verdadeiramente filho legítimo do seu povo, só em Portugal. E tem sido tão penoso o caminho para outras Índias, tão tormentoso achar outro Brasil dentro da nossa própria pele, que, às vezes, nem assim…

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Varadero, Cuba, 24 de Maio de 2013

03/06/2013

A Cuba dos não cubanos. Um solário de areia branca e água choca onde só existe lugar para o rodízio de estrangeiros que aqui chegam em autocarros chineses. A dignidade que o Socialismo cubano tira com uma mão, mas dá com a outra, aqui, o Capitalismo de Estado ceifa com as duas. Não! Nenhum projecto revolucionário caminha de conquista em conquista com pés de barro, voltados para dentro. Todo o Poder que nega ao Homem o único dom que o iguala à nascença, a Liberdade, não é uma Revolução, é uma condenação.

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Viñales, Cuba, 23 de Maio de 2013

03/06/2013

Há lugares na Terra em que basta dimensionar o esplendor infinito e inviolado apenas num relance para sentir bloqueios de expressão difíceis de explicar, mas fáceis de aceitar. Esta paisagem clorofilina de Viñales é um desses lugares idílicos. A contemplar o panorama de um miradouro aberto ao vale erodido de onde irrompem relevos residuais em forma de gigantescos dentes molares a mastigar o tempo num céu de algodão-doce, fico de tal forma rendido, que não encontro nem palavras, nem artifícios literários capazes de dar vazão proporcional ao caleidoscópio dos sentidos. Não tenho cores suficientes dentro de mim para tingir um cenário tão insólito e tão natural. Faltam-me as formas para encher tanto volume. Perco-me em ruídos inconvenientes, quando o que o instinto sugere é, apenas, reproduzir as melopeias do silêncio. Um versículo preservado do Génesis, com plantações de tabaco e coqueiros. Um Éden Jurássico com latitude e longitude traçadas pelas mãos precisas e virtuosas do Criador. E o que teria sido desta velha Humanidade se, em vez da maçã carnuda, acessível à voracidade de qualquer dente, a mulher de Adão tivesse antes trincado um coco…

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Havana, 22 de Maio de 2013

03/06/2013

Ao cabo de nove horas enfiado numa nuvem com asas que reduziu o Atlântico a uma poça de água salobra, aqui estou a registar as primeiras impressões sobre Cuba. O ar escalda. É húmido e empastado como a língua de um cão. Já vem asfixiado antes de correr na traqueia. A pele é uma toalha molhada torcida no torno apertado do calor. De resto, a cidade sincroniza-se na cadência de um relógio alvoroçado a viajar às arrecuas nos carros americanos. Tudo sobre uma paleta pictórica de propaganda revolucionária em cada parede. Há brancos, pretos e estrangeiros a conviver fraternalmente, serpentes de fumo de charuto erguidas ao céu, música nas ruas. Uma ideia heterónima de dignidade e fraternidade permanece preservada: esta pode muito bem ser a casa de Hemingway ou de qualquer outro cidadão do mundo.
Lentamente, a lente da curiosidade permite-me aproximar os fractais da realidade ao pormenor mais microscópico. Caminho pela Praça da Revolução a conhecer os heróis petrificados de outros tempos, vou ao Capitólio e também fico com vontade de me deitar ao lado daquele grande corpo branco e trabalhado, preguiçosamente estendido ao sol. Até que chego à Columnata Egipciana, em Havana Vieja, onde rendo a devida homenagem de português a Eça de Queirós. Na parede dos fundos, forrada a azulejo, uma imagem do escritor, pintada por Almada Negreiros, com a célebre frase retirada d’ A Relíquia: “Sobre a nudez forte da realidade, o manto diáfano da fantasia”. E detive-me um tempo demorado meditando sobre esta frase. Na pele de turista de ocasião e de revolucionário inveterado, de que parte de Cuba estarão os meus olhos a encher-se? Da realidade fantasiada, ou da fantasia mascarada? Quem serei eu aqui? Um Teodorico Raposão à procura de relíquias mundanas ou um Che Guevara guerrilhando com versos?