Archive for Janeiro, 2012

h1

100 anos de nascimento

30/01/2012

O centenário de Manuel do Nascimento, pródigo escritor neorrealista, também não foi esquecido pela biblioteca escolar da Escola EB 2.3  de Monchique.

h1

Abstração

26/01/2012

Remate final num poema que há dias se desenrolava na cabeça. E foi a ferros que o arranquei, vitorioso da luta. É. Escrever, esquadrinhar a perfeição da palavra na largura funda de um verso, de um apontamento diarístico, ou de um conto é uma autêntica dor de parto.

Enjeitado por talentos

Ou outros dons de expressão,

Toda a musa

Se recusa

A dar-me a graça da criação.

Nos vagos desalentos

Das páginas concretas de cada confissão

Que o mundo inteiro lê,

Não há como nem porquê.

Nenhuma forma insondável me é ausente

Todo eu sou pedra transparente

E, mesmo isso, ninguém vê!

Fotografia: Luís Duarte

h1

Envelhecer

22/01/2012

A unidade diversa dos amigos de sempre, na mesma intimidade de sempre. Explicávamos Portugal. Analisando luciferinamente a lógica da nossa penúria coletiva, diziam uns que nos falta o juízo; outros que andámos a satisfazer caprichos com as algibeiras rotas dos nossos filhos; uns que somos um povo de incontritos vagabundos; outros que os números feitos dos economistas não trazem a esperança humana e imprevisível dos poetas. Enfim, a linguagem macaqueada do costume a fazer de cada português um revolucionário passivo à mesa do café. «É bom estar a chegar aos trinta e falar destas coisas», disse, fraternalmente, um dos mais lúcidos interlocutores, balizando a discussão na breve maratona da vida. Envelhecer, pensei eu. E há outra alternativa possível? Que remédio temos senão dar tempo e complacência à aspereza irreversível da palavra e deixar que os cordōes afetivos possam amaciar a erosão dos nossos prantos?

h1

O relógio

21/01/2012

Começo a convencer-me de que vou perdendo a corrida, que a malha inexorável do tempo, sempre mais apressado e decidido, tarde ou cedo, me alcançará. Nenhuma das vinte e quatro voltas completas do relógio passa por mim sem me deixar a firme convicção de que me foi roubada aos sentidos e ao entendimento. “Ainda é cedo, que não posso pensar assim, que devia, simplesmente, deixar a vida acontecer”, dizem-me os meus íntimos confessores, do fundo afável da tolerância. Mas não consigo. Aparentemente, resumo-me a inventar: o passado que não tive, lembrado dele, e o futuro que quero ter, longe da absurdidade tola e infundada do sofrimento impenitente que vou infligindo às minhas próprias mãos.

h1

Confissão

19/01/2012

Tranco os dias desiludidos

A corrente e cadeado.

Fecho os olhos comovidos,

Nego-lhes o acto de existir que lhes foi dado.

Ah! Sonhos presumidos,

Águas paradas numa represa rota.

Secretos, todos os segredos,

Como areia escapulida entre os dedos

Evaporam gota a gota

A liquidez da claridade.

Não por gosto, mas por incapacidade.

h1

Sintonização

15/01/2012

Colo os ouvidos à gravação sumária

A relembrar o dia-a-dia.

Numa ânsia arbitrária,

De paciente teimosia,

Avanço para trás, recuo para a frente

À procura de um grito,

De um verso livre e aflito

Sumido vagamente

Na emissão

Do coração.

Até que de repente

Surge a manifestação da verdade concluída

A lembrar que a ressonância da vida,

Incandescente,

Se sintoniza nas ondas curtas do presente.

h1

Achas na fogueira

11/01/2012

Final de tarde a rachar lenha, num afã libertador, sob o olhar imaginado, zelador e instrutivo dos meus já idos avós cavadores. Fora da alçada inibitiva dos mapas e do pensamento, a pastar o tempo como um animal, plasmado nas mais elementares forças da Natureza, fui cumprindo as ordens espectrais com a manha de um lenheiro. Tomba daqui, golpeia dali, o machado galvanizado lá foi desfazendo a dente os anéis concêntricos de uma nogueira seca e velha, da idade do mundo. Agora, não satisfeito ainda, cá estou sofregamente agarrado às teclas, a deitar no fogo preso deste arremedo de diário as achas da minha dureza intransigente, das minhas obsessões, das minhas misérias, até que não reste um ar de cinza sobre bisbilhotices inconfessáveis.

h1

A da foice

08/01/2012

Ao cabo de duzentos mil anos de atribulações, ainda não estamos devidamente preparados para lidar com a da foice. De todos os Fenómenos Naturais, a vida é, por desgraça, aquela que se nos apresenta com vulnerabilidade extrema, e cujo o grau de perda é, será sempre, incomensurável à escala humana. É uma certeza cíclica, abafada em terra. Na terra que pisamos agora e que nos pisará um dia, amanhã, talvez. Cabra coxa não tem folga, ensina o rifão. Deter o tempo é impossível. Cada hora mais neste vale de lágrimas é um malabarismo transitório entre o tudo e o nada.

h1

Poema monolítico à minha pele

07/01/2012

A minha pele é dura.

Tem a textura

De uma serra granítica, humana, empinada em solidão.

Cruzada por rios de secura,

É uma paisagem estéril estendida no chão.

h1

Venho das Festas

06/01/2012

Dia de Reis. Mais umas Festas vencidas. Vesti o espírito de lavado e, com qualquer coisa de mim, deixei correr estes dias. Aqueci-me na humanidade generosa a arder no madeiro brando dos corações mais fraternais e incandescentes; afivelei a máscara de latão, entrouxei-me nos farrapos garridos das inquietações e zombei das minhas próprias fraquezas na Festa dos Rapazes; num frenesi de vitalidade, desempenei as pernas como se fossem as canas dos morteiros a estralejar no salto de um ano para o outro; passei-me por cavaleiro apeado e fui cantando versos ao Menino até fazer uma sombra mazomba no mar negro de angústias recalcadas em que me vejo afogado. Chegou para mim. Não ficou espaço para qualquer míngua.