Posts Tagged ‘Portugal’

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Pátria ibérica

17/09/2013

24 de agosto de 2013. A cruzar a fronteira entre Portugal e Espanha, na ponte sobre o Guadiana. As fronteiras são as rédeas invisíveis de um povo. As nossas, fortificadas a medo ou a caudais de retraimento, moldaram-nos a pequenez. Uma pequenez que nos abriu à grandeza oceânica da nação, da imaginação e da História. Mas basta trasladar a nossa expressão ibérica para a outra estrema da linha imaginária que nos separa do lado castelhano da Ibéria para patentearmos a força do nosso génio na do génio vizinho. Uma leira do lado de lá, aqui, é um latifúndio, uma capela românica portuguesa não preenche a abóbada de uma catedral gótica espanhola, o que dentro de portas é rarefacção autêntica, fora delas é abundância monótona e repetida. Até a Língua falada parece português escaldado e sem peias a estalar na boca. Porém, é, simultaneamente, confiado no equilíbrio entre ambos os povos e com a desconfiança de um contrabandista que cruzo o recorte destas linhas fictícias a unir Portugal e Espanha. Fico sempre com um olho em Camões e ou outro em Cervantes.

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Mais mar

17/09/2013

Nova tarde enraizado em mar e em salsugem. Mergulhado num calor de braseiro e lassidão, deslembrado de tudo, a ir e a vir na cadência das ondas, nem sequer os versos, solidários com sensibilidade de todos os instintos solitários, me fazem falta. A consonância pacífica das marés é suficiente para que a música dos poemas se cumpra naturalmente.

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Mergulho

10/07/2013

Primeiro mergulho anual no mar português de Portugal. Anestesiado pela onda de calor e enrolado pelas outras, as de água e sal, saí daquela cebola líquida constituída por camadas infinitas de pureza e de vida como se tivesse sido submetido a um transplante. Um transplante de um órgão sensível capaz de continuar a pulsar lusitanidade até ao fim do tempo.

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Aventura

03/06/2013

A sobrevoar algures entre o Meridiano de Tordesilhas e o Mar de Caribe, 21 de Maio de 2013.

AVENTURA

Aqui vou a planar num mar de ar
Como um mareante de Quinhentos.
Mas em vez de velas a amainar
Trago asas de aço a rasgar
Outros mares e outros ventos.
A sobrevoar ondas e milhas,
Não passo iguais tormentos,
Tenho os meus olhos sedentos
De conhecer as maravilhas
De um Adamastor paternal
Guardando, num banco de coral,
Voluptuosos arquipélagos de filhas.
Quero no meu o rosto de Portugal,
Ser redondo em abismos e ilhas;
Ter o seu perfil de mapa Universal
Sempre que passa além de Tordesilhas.

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De Lisboa até à Lua

18/04/2013

A reter panoramas retentivos no Miradouro da Graça, a desfiar as barbas da História na paz branda do Tejo, em Belém, a deixar o relógio desandar em horas devolutas à sombra luminosa do jardim da Gulbenkian, ou, simplesmente, a receber calhamaços de instrução no auditório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, uma visita a Lisboa, para mim, é sempre uma correcção magnética à inexorável declinação dos rumos provincianos que vou desenhando na pátria. Vou e volto, e quando me perguntam de onde venho, apenas me apetece responder:
– Da Lua.

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Portugal

26/03/2013

O céu está cheio de pais
Que não são nossos
E na terra estão os ossos
Dos nossos ancestrais.
Destroços
E restos mortais
Feitos de mar e de granito,
Vagamundos entre nós e o mito,
Náufragos nos areais
Da História…nada mais.

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Mercados

05/02/2013

Em que país fica um país que é Portugal,
Onde há fome e há as contas dos doutores,
E a História e o Povo não são mais capital,
Capital é a cidade imaterial da Bolsa de Valores?

Que pátria é essa de poetas indignados
Cantando contra as esperanças dissolutas
De quem está no desespero dos mercados
Como os homens estão para as prostitutas?

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História ou imaginação

28/11/2012

Sublevado nos ossudos contrafortes da minha serra, regresso à serenidade pacata de casa e fecho novamente as cortinas aos ímpetos desregrados provenientes da capital do país. Pela manhã, na companhia de um desses amigos que nos passam uma esponja sobre todas as ralações, ainda houve tempo para uma escapadela furtiva a Belém, onde manchas oleosas de sol cobriam o ar de uma luz fria aberta ao Mundo na boca espelhada do Tejo. A meio caminho entre a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos, interrompe-nos uma equipagem de jovens angolanos, estudantes de comunicação a explorar o ofício futuro e a cidade passada, e, de microfone em riste e câmara aos ombros, como um lança-foguetes, surge o ataque surpresa à própria perplexidade das perguntas disparadas sobre o Monumento aos Navegantes. O que era, quando tinha sido erigido, qual a sua significação, etcétera, etcétera, etcétera. A exposição do Mundo Português, as comemorações dos cinco séculos de nascimento do infante, o meu patrício algarvio Gil Eanes vencendo o medo numa embarcação a remos, Nuno Gonçalves e os painéis de S. Vicente, o infante santo, Fernão Mendes Pinto em Tanegashima e Mianmar ao mesmo tempo… Enfim… Dobrando este cabo das tormentas que é falar publicamente nos mares altos da vida, enfunei como pude os meus conhecimentos e, de tal modo me deixei levar na exegese epopeica, que, a páginas tantas, já não sabia ao certo se as façanhas exaltadas na retórica eram produto da nossa história antepassada se devaneios da nossa imaginação desmesurada.

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Greve Geral

16/11/2012

Greve Geral. Esmagado por um Governo que apenas o identifica e reconhece pelo número de contribuinte, o povo, no seu pragmatismo medular e objetivo, crente de que os homens públicos nem tão pouco merecem o chão que pisam, arrancou a calçada à rua e arremessou-a contra a autoridade. Esta, sem capotes à medida maciça da chuva, meteu a artilharia toda e dissipou a tempestade à bastonada, evidentemente. Portugal também é isto: forças desperdiçadas, sem rumo nem fim, que até para dizer basta precisam pedir a bênção violentada da polícia.

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Patriotismo de lapela

07/11/2012

Fixada na lapela dos paletós dos homens de Estado, num brilho baço, a bandeira nacional já nem portuguesa é. É impossível olhá-la sem levantar muros à volta da esperança. A mim, que sempre a concebi desfraldada nos mais altos mastros de uma identidade com oitocentos anos de história, cada alfinete ardilosamente cravado nos casacos destes fingidos patriotas, dói-me como um espinho espetado no coração de um boneco de vodu com os recortes do mapa de Portugal no perfil.