Há dias, findo o trabalho, aproveitei a boleia de um amigo até casa. Chovia e não me apetecia andar a pé, pelo que aquela caridade me caiu como sopa no mel (se bem que, sopa com mel, deve dar uma azia do caraças). Com manobras de perícia pelas tortuosas ruas da parte velha da vila e poças a espirrar àgua para cima dos passeios à passagem da viatura, seguiamos a uma velocidade de bois.
Deu tempo para falar do tempo e do Benfica. Amaldiçoei a incúria de não ter levado carro para o trabalho num dia daqueles, para depois me justificar porque raramente o faço. Em Monchique as distâncias são curtas, pelo que faz bem às algibeiras, à saúde e à alma deslocar-me a pé para o trabalho. Para não falar da escassez de estacionamento e do azar que é chegar ao carro e ver uma assinatura em caligrafia árabe, feita a arame, chave philips ou mesmo de sextavada, cravada na fuselagem do bumblebee.
Rosnei que da próxima vez que investisse num automóvel, compraria um «frigorífico com rodas», que isto dos carros brancos é um mimo, não se nota nada na pintura. E, durante este tempo, cruzámo-nos com alguns carros brancos, aos quais aludi zombando, com pulos e urros descoordenados, pelo facto de se tratarem de «frigoríficos com rodas».
O meu amigalhaço, reagia impávido aos meus sucessivos tiques dementes, coisa que estranhei visto ser, normalmente, um tipo bem disposto. Creio que lhe vi até alguma sofreguidão no rosto, de cada vez que repetia: «olha um frigorifico com rodas…ahahahahahah…sabes o que é aquilo? É um frigorifico com rodas é o que é!»
Foi quando fechava a porta da viatura, depois de ser deixado perto de casa, que me apercebi da cor do automóvel que me havia transportado. Fiquei branco, da cor do leite, da cor do cavalo branco de Napoleão…