Archive for Novembro, 2011

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Incorrigível

30/11/2011

Parece mentira. Não tenho emenda. Tanto sentimento a chocalhar cá dentro, tanta humanidade paciente, expectante, ávida de desabrochar nos corações que a semeiam, e só quando esta agressiva estupidez, furiosamente, se liberta do livro de pedras que sou sem querer ser, é que dou conta do deserto árido que vou criando à minha roda.

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Belém

29/11/2011

Nas margens largas do passado

Em águas paradas encalhado

Flutua o cais humano português.

Lá, soltam-se as velas de Lisboa,

Ergue-se da terra a proa

E é o sonho que navega outra vez.

Enfunada pela brisa do atrevimento

A voz do velho, de má rês,

Dá mais força e viço ao vento.

Partimos, então, na caravela da eternidade,

Dobramos o cabo da saudade

Sulcando nas ondas um rego fundo.

Rasgamos o mar a todo o pano,

Fazemos da Língua oceano,

Damos azul à cor do Mundo.

E por cada verso aberto em espuma

É à descoberta da Esperança que a vida ruma.

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Outono

17/11/2011

Um friozinho suave a avivar o rubor de um sorriso, a serra trajada de cores paradas e de frutos, o céu, escarolado, estendido ao comprido numa insondável planura azul, e eu incapaz de palavras e gestos que dignifiquem o encanto deste final de tarde. É. A razão das provas está do lado de quem me acusa: tenho o vício da tristeza agarrado às mãos.

Fotografia: Carlos Duarte / Município de Monchique

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Preconceito

04/11/2011

O que é o preconceito senão o mais cego dos caprichos timbrados na textura da feição humana. Prisioneiros desse desvairamento moral, colocamos a carapuça opaca das ideias pré-fabricadas na cabeça sem dar conta que, em última instância, o réu de semelhante juízo sumário somos nós mesmos.

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Lázaro I

02/11/2011

Lá vou lavrando a minha prosa, lapidando palavras, na íntima certeza de que cada frase construída é um muro escarpado só tornado transponível após horas e horas de arremesso laborioso da picareta contra a rijeza desprendada do talento. E fico à espera, cheio da mesma paciência. À espera que uma só revelação dos sentidos possa surpreender até o mais intransigente dos carrascos de tudo aquilo que digo, escrevo e faço: eu.

 

Eis a minha habitual crónica no Jornal de Monchique.