Um exílio na Natureza em carne viva e, de volta ao aconchego maternal das dobras do xaile da rocha-mãe, isto. Pegas de cernelha à mancheia, apregoadas a cornetim e com cornaduras de varar as entranhas da alma, sempre as houve aqui neste lugar de sienito e xisto tumescidos numa oração sepulcral de penitência aos céus. A mulher do senhor X e o marido da dona Y que desfraldem a ira reprimida nos rubescentes capotes e as contem na primeira pessoa, se quiserem.
Antes deste tempo de hoje, que sem conhecer os mistérios da puberdade é já um velho, serôdio, lacaio, corcovado sobre si próprio, olhando as unhas dos pés gastos, atafulhados no sarro, Monchique foi o presépio do Mundo, a manjedoura onde o Menino redentor mamou da Mãe o primeiro leite, enrolado na palha renegada do berço e aquecido pelo hálito da vaca no morno sacrifício da existência humana. E quem, seguindo a estrela da miséria, assistia humildemente a este milagre, via uma missa desprovida dos mais sagrados dogmas e rituais, convertido em profeta do mistério da fé na vida harmoniosa entre todos os seres da Terra.
Contou-me há tempos, alguém despido da suspeição dos laços familiares, que um dos meus avôs, que melhor que eu o conheceram os sobreiros e os cálices de aguardente, foi testemunha do milagre, tal qual vem nos Evangelhos. Boi de canga de outros homens como os outros de cornos e mugidos, criador de gado a quem a fortuna só o cobriu de sofrimento, possuía no estábulo o cobridor mais apurado. Não havia na Serra novilho ou vitela que não o tivesse na linhagem.
O resto desta história de honradez e grandiosidade superior, em que os homens da minha terra e o gado bovino se fizeram cúmplices na mesma manada da criação sem o ferrete tolo das pífias lides de ferro, capotes e bandarilhas, pode ser visto muito brevemente, na minha próxima crónica, no Jornal de Monchique.