Posts Tagged ‘diário’
17/09/2013
O mar. Um Portugal com fronteiras de ócio fora do tempo e fora do espaço. O denominador comum de dez milhões de amarguras fraccionadas estendidas sob a sombra de horas indulgentes. O país inteiro como um taipal de pedra basculado a um Atlântico de futilidades, onde até eu, que as renuncio em absoluto, gosto, às vezes, de me inserir para poder sentir-me tão português, tão alodial e tão sonâmbulo como os outros. O mar. A razão contemplativa da nossa opulência histórica medida pelas incertezas desmesuradas de um futuro panorâmico que deixa de ser um suplício contrito de resignação para passar a ser um exercício infinito da imaginação.
Mar! Mar! Mar!
Nenhuma outra palavra me completa.
Nenhuma outra me faz navegar
Nos horizontes infinitos de poeta.
Mar! Mar! Mar!
E de repente, à tona da inspiração,
Vem uma maré cheia de temas.
E o vaivém das ondas é uma rebentação
Onde se ouve a frescura dos poemas.
Mar! Mar! Mar!
E o panorama de versos não cessa,
Até o sol cansado finalmente pousar
No fundo azul onde o lirismo recomeça.
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17/09/2013
Uma barrela emotiva que me deixou como se tivesse acabado de vir de um campo de colmeias. Estávamos a salvo dos narizes bisbilhoteiros, a interlocutora era de confiança e o espaço tresandava apenas a silêncios e ao húmus expressivo onde tem medrado toda a nossa intimidade. E antes que a máscara desesperada de crispação e amargura que lhe apresentava me ficasse irremediavelmente inculcada na cara para todo o sempre, pondo em causa tudo quanto nos faz dignos do poder superlativo da amizade, deixei-a cair e a confissão quebrou-se como cristal no chão sensível das nossas ilusões:
– Sabe, o meu grande problema é que eu sou um romântico! – E como em tudo na vida, acabei sem saber se procedi bem ou mal. Parece, sim, que fiquei mais perto de mim mesmo e mais longe do alcance das minhas frustrações.
Não há como ocultá-lo. O verdadeiro fundo da nossa identidade revela-se no calor instantâneo dos pudores mais desinibidos. Ao cabo e ao resto, funcionam como a fotografia do cartão do cidadão: só temos uma hipótese de mostrar o que verdadeiramente somos. Na impossibilidade de lavar as mãos perante as consequências das palavras e dos gestos, ou ficamos bem, ou ficamos mal. Se ficamos bem, pois muito bem. Se ficamos mal, não nos resta outro remédio senão pedir desculpas sinceras a todos aqueles a quem diariamente apresentamos as veras da nossa identificação.
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14/07/2013
Estancar a solidão com livros. Compressas sobre compressas de papel a conter a hemorragia de incompreensões. Hoje, foram mais dois. E posso agora, finalmente, sair de casa, empolgado e de alma desinfectada. Se, no café, não houver um amigo para arejar a ferida, amanhã, volto a abrir um dos muitos volumes que tenho tido por companhia e mudo o penso.
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14/07/2013
Dia esgotado a esticar a vida cívica até horas que deveriam ter tido uma elasticidade mais apressada. Aqui, no sarcófago, são os os mesmos que se queixam no silêncio fechado de sempre: os clássicos que ainda não li, os autores por conhecer, os versos escanzelados roubados às teclas, enfim, tudo por fazer. Viver é, realmente, ir adiando a própria vida.
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04/07/2013
Envolvido num silêncio abafado – o resto do calor de cigarras que foi a tarde – vou assentando no caderno mais uma nuvem de inquietações reduzidas ao pó do verbo. Do mesmo modo que a poeira assenta nos caminhos, redefinindo-lhes a lonjura e a aridez depois da turbulência de uma rajada de vento ou do trânsito frenético das caravanas, também eu espero pelo final do dia para pôr em cursivo a poalha levantada na roda-viva dos meus dias. Uma noite prenhe de estímulos a tornar a vida mais explícita e mais inteligível aos meus olhos, já que aos olhos dos outros somos sempre uma imagem deformada por adivinhação, um rumor destemperado do nosso fundo. E é nestas horas de auto-observação meditativa que conto as demasias gastas com afinco em tudo a que entrego uma considerável parte de mim. E quanto desperdício, quantas gangas perniciosas encontro por arrumar nos contentores do absurdo. Travo lutas que não são minhas, combato moinhos dissimulados de gigantes, doem-me dores onde não cabem as medidas do meu corpo, venero mitos impossíveis, correspondo a paixões sem correspondência, espero milagres que não se concretizam, acredito em deuses que não existem. Enfim, um ror de insignificâncias falidas roubadas ao que realmente importa e onde procuro a minha própria significação. Mas não podia ser de outra forma. Se destas empresas não vier, um dia, uma revelação que me surpreenda a existência, é porque não fui digno dos seus dons ou porque lhes consenti sempre mais que aquilo que a vida me pedia.
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01/07/2013
São as horas que são, e, para mim, são tantas da noite. De uma noite de velhice, entenda-se, cujo meio-dia ainda agora se ouviu soar nos campanários do destino. Desencontrado no fuso horário da vida, vivo expatriado na minha própria pele. Quando o sol brilha no lugar onde estou, já se pôs no lugar de onde venho. E não sei se os bocejos enfastiados que vou soprando nestas anotações diárias são por estar ainda a despertar ou por estar prestes a dormir. É como se chegasse atrasado a tudo. Ao que vivi, ao que não vivi e podia ter vivido e ao que ainda tenho para viver, mas que, apesar de todos os escrúpulos, de todos os desvelos e de todos os estoiros do coração, nunca será significativamente meu.
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30/06/2013
Ao ridículo absurdo a que podem chegar certas más consciências demolidas. Esta tarde, enquanto um colorido cacho de balões subia a escadaria do céu, vi-me a perder lucidamente o juízo e a desejar sofregamente amarrar a minha vida àquele cordel de liberdade alada. Deixar que também ela fosse subindo, subindo, subindo, e que a plenitude estratosférica a tornasse menos pesada, menos negra, menos presa, menos sofrida. Que, ao cabo e ao resto, convertida em estado onírico, o deixasse de ser, por fim. Que ficasse retida numa nuvem de felicidade imerecida, impensada, indefinida, e fizesse chover sobre a superfície da Terra todos os sonhos que trago guardados dentro de mim.
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06/06/2013
Ainda a reencontrar-me depois da espécie de mau-olhado ao contrário que significou a ida e volta a um dos cantos do mundo. Preciso disto para me sentir em conformidade comigo, para fazer coincidir a medida do espírito com a medida dos ossos. Na pátria local ou na pátria global, cada trajecto por diferentes paisagens, cada subida a monumentos esquecidos, cada diálogo com pronúncias estrangeiras, cada prova de trajes exóticos ou comidas estranhas, tem o sabor do brilho da vida. Parto à procura da essência das coisas e regresso mais essencial. É como se fosse engolido pela geografia dos sentidos e, depois das enzimas da terra me devorarem os acessórios fúteis do quotidiano, fosse cuspido em caroço em direcção ao chão nativo. Pareço um parafuso. Dou voltas ao país e ao mundo e acabo sempre por rodar em torno do centro da minha geodesia original: Monchique.
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