Archive for Fevereiro, 2012

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Chaga

29/02/2012

Primavera – toda a Natureza

Semeada numa paisagem

De sonho e aguarela.

E eu tragédia em pousio

Sem amadurecer no estio

Da imagem

Sonhada nessa tela.

 

É contudo esta a paz que me apetece:

Germinar nas cores da sementeira;

Um só tom de verde que me desse

O húmus da alegria verdadeira.

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Ler

25/02/2012

Ler, ler, ler. Ler sem pensar em nada. Sair instantaneamente deste estado sinóptico de entorpecimento e lassidão. Devorar com uma avidez de urso quanta prosa, quantos versos e quantas solfas me vêm ter às mãos. Meter o bedelho na intimidade das personagens; viver, aparentemente, dentro das suas inquietações; apropriar-me dos adjectivos irredutíveis do enredo até que, numa espécie de jogo viciado da vida real, em qualquer homem velho, de violino nas mãos e a gastar-se no tempo de ser, viva a probidade emblemática de um Mestre Finezas.

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Mea culpa

23/02/2012

Levo as mãos ao peito

A pedir perdão

Por este engano,

Esta falta de jeito

Humano

Para viver a condição

Que me foi dada.

E grito novamente

Ao eco penitente

Da minha solidão

Desesperada,

Sabendo de antemão

Que o que é dito

Nesse grito

É a minha amargura sussurrada.

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Fóia

21/02/2012

É aqui, a contemplar abismos no cimo destes fragões ciclópicos, que vou enganando a fatalidade inevitável dos sete palmos de paz que me esperam. Subo a uma inquietação suspensa, erguida a palmo, pacificada na certeza inerte de que, depois de nós, a eternidade das coisas belas continuará a existir. Quem vem encher os olhos deste panorama sereno e transparente só pode ser movido por um de dois instintos: ou um delírio de atração, ou um martírio de consolação.

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Palavras cessadas

17/02/2012

Deitei fora todas as palavras.

Fugiram-me das mãos

Em gestos leves

Breves,

Vãos

Como ondas agressivas

De silêncio paciente.

Furtivas

À agressão

Vivem sós, na condenação

De morrer em câmara ardente.

Sem elas, virá a fome.

Da vida descarnada,

Sobrará apenas o caroço.

Agora, as palavras são terra que come

Na ânsia torturada

De chegar até ao osso.

Fotografia: Gilda Marteniano

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Pedras

16/02/2012

Não sei como consegue. Cumpliciando-me na catarse, vai cavando, removendo laboriosamente o saibro inútil do fundo da galeria, e quando vou a dar conta, estou a deitar cá para fora as gangas todas.

– As minhas vidas… Uma que parece, outra que se exibe. Uma é só cascalho e a outra, íntima, funda, afectiva, é só rocha-mãe.

– Olha que entre a rocha-mãe, às vezes, encontram-se filões raros de pedras preciosas…

– É um facto. Mas olhe que de pedras percebo eu.

Não sei se a convenci. Acontece, realmente, que tardo em apanhar o veio a pulsar na nascente dos dias. É sempre em esforço que me afeiçoo ao dom de viver. Nunca consegui ser mais que um pobre e absurdo trovador de naturezas mortas.

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Um cangalho

15/02/2012

Um cangalho, não há que ver. Só eu é que sei o que me pesam no chinguiço as acrobacias desesperadas da carga a cair aos bocados alombada pela parelha de vidas em que me intuí: uma crispada por convicções e outra recatada por convenções.

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Quase

07/02/2012

Um dia mais de inverno adiado. O sol destes dias, rasteiro e frio, volatilizado no índigo desgarrado na largura desmedida do céu, lembra-me os três primeiros versos do poema Quase, de Mário de Sá Carneiro. É como se eu próprio estivesse no centro deles, estendido em verso livre, sem nada mais me falar:

«Um pouco mais de sol – eu era brasa,

Um pouco mais de azul – eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…»

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Nada

04/02/2012

Nada. E já a palavra em si mesmo nímia, solitária, excedida nas fronteiras inexpressivas do vazio e insensível a todo o verbo de encher, diz muito mais do que aquilo que deveras é.

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Graffiti

02/02/2012

Há um muro

Em que procuro

O autêntico total

Sem o achar.

Um local

Onde pinto o mundo tal e qual,

Fiel à realidade que me é dada a revelar.

E que mais posso pedir

Senão tingir

A amplitude

Das coisas que conheço?

Se teimo na cor preta

E me esqueço

Do arco-íris na paleta,

Ou é porque me falta a virtude,

Ou é porque não mereço

A plenitude

Na ponta da caneta.